Soneto
Pequei, Senhor: mas não porque hei
pecado,
Da vossa Alta Piedade me despido;
antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Da vossa Alta Piedade me despido;
antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
(Gregório de Mattos -Do livro: "Livro dos Sonetos", LP&M Editores,
1996, RS)
O Barroco no Brasil
No
século XVII, o Brasil presenciou o surgimento de uma literatura própia a partir
dos escritos nascidos na colônia, quando as primeiras manifestações valorizando
a terra surgiram.
A
produção literária não foi favorecida nesse período, pois a disputa pelo poder
no Brasil era evidente e chamava toda a atenção.
“No
Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII e XVIII: Gregório
de Matos, Botellho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias
repetiram motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano.”
“Na
segunda metade do século XVIII, porém o ciclo do ouro já daria um susbstrato
material à arquitetura, à escultura e à vida musical, de sorte que parece
lícito falar de um Barroco brasileiro, e até mesmo mineiro, cujos exemplos mais significaticos foram alguns trabalhos do
Aleijadinho, de Manuel da Costa Ataíde e composições sacras de Lobo de
Mesquita, Marcos Coelho e outros...” (BOSI,
Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira - São Paulo: Editora
Cultrix, 1994.)
Para o escritor e crítico Antonio Candido, a literatura
que não apresenta esses elementos consolidados (obra-público-autor) não é capaz
de formar um sistema e, por isso, não passaria de manifestação literária. Sendo
assim, autores como Antônio Vieira e Gregório
de Matos não são considerados pelo crítico como representantes da
literatura brasileira, pois não contribuíram para sua formação ao não
influenciarem outros autores e por escreverem em um período literário em que os
três elementos constituintes capazes de instituírem um sistema literário ainda
eram incipientes. (CÂNDIDO,
Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia,
1981)
A Sociedade colonial
O
Barroco aparece no Brasil quando ya se
haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território; a
população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura nativa já
lançara sementes. O Barroco não foi,
assim o veículo inaugural da cultura brasileira, mas floresceu ao longo da
maior parte de sua curta historia de 500 anos, num período em que os residentes
lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável, contra uma natureza
selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis, até onde permitisse sua
condição de colonia pesadamente explorada pela metrópole. O território
conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a
população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante
estado de alerta contra os ataques de indios pelo interior e piratas por mar, e
nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base
da força produtiva.
Principais característica do Barroco brasileiro
- Culto exagerado da obra, sobrecarregando a poesia de figuras de linguagem.
- Dualismo: onde o poeta se sente dividido e confuso por causa do dualismo de ideias.
- Culto do Contraste, conflito entre o bem e o mal, o Ceú e Inferno, Deus e o diabo, o material e o espiritual, o pecado e o perdão...
- Pessimismo, que era acarretado pela confusão causada pelo dualismo.
- Literatura moralista, já que era usada pelos padres jesuítas para pregar a fé e a religião.
- O Barroco revela a busca da novidade e da surpresa, o gosto da dificuldade.
“É
de esperar que os recursos dessa visão de mundo sejam, na poesia, as figuras:
sonoras (aliteração, assonância, eco, onomatopeia...), sintáticas (elipse,
inversão, anacoluto, silepse...) e sobretudo semânticas (metáfora, metonímia,
sinédoque, antítese, clímax...), enfim todos os processos que reorganizam a
linguagem comum em função de uma nova realidade: a obra, o texto, a
composição”.
Gregório de Matos: entre o céu e o inferno
Gregório
de Matos guerra nasceu na Bahia em 1633 e morreu em Recife em 1696. Cultivou a
poesia lírica, sátirica e religiosa. Sua obra só foi divulgada muito tempo
depois de sua morte
As
obras de Gregório de Matos, revelan nítidas influências dos poetas Barrocos
espanhóis, sobretudo nas composições líricas. Seus textos sátiricos são muito
interessantes, também pelo caráter documental que apresentam, tanto do ponto de
vista sociológico quanto linguístico, pois neles o autor utilizou uma linguagem
bem popular, onde são frequentes, inclusive, termos de baixo calão. Por sua
crítica ferina e debochada da sociedad da época, recebeu o apelido de “Boca do
Inferno”.
Gregório
de Matos tinha formação humanística – doutor in utroque jure – pela
Universidade de Coimbra. “Mazelas e azares tangeram-no de Lisboa para Bahia
quando já se abeirava dos cinquenta anos; más entre nós não perdeu, antes
espicaçou o vezo de satirizar os desafetos pessoais e políticos, motivo de sua
deportação para Angola de onde voltou, um ano antes de morrer, indo para o
Recife que foi a sua última morada”.
Vida e obra
Gregório
de Matos tinha um genio irrequieto e zombeteiro, desde cedo revelara
viviacidade de inteligência e volubilidade de caráter. Eis porque quando
contava com apenas 14 anos, seus pais resolveram mandar-lo para Coimbra: era
para ali que, do Brasil, naquela época, as famílias ricas mandavam seus filhos
quando lhes queriam dar uma instrução superior para, ao término de uns tantos
anos, de lá voltarem com título científico que lhes garantissem, aqui, na
sociedade brasileira, uma posição de relevo.
Gregório,
porém, bacharel em direito, não quis regressar logo ao Brasil. De Coimbra
passou para Lisboa, onde se formou advogado e, mais tarde, juiz. Ali
permaneceu, mais ou menos, até os 50 anos. Só então voltou ao Brasil, um tanto
o quanto desiludido da sociedade portuguesa, onde talvez por causa do seu genio
independente e mordaz, sofreu muitas decepções e desgostos.
Chegado
a Bahia, deu expansão à sua veia satírica, não poupava os poderosos, nem os
“clientes”, nem os amigos, nem mesmo a própria esposa que, por esse motivo,
certo dia, lhe abandonou. Por último, por atrair a ira do governador, este para
se vingar dele, cujas sátiras, justas ou injustas, eram sempre aplaudidas pelo
povo, deportou-o para Angola. Na Àfrica passou Gregório alguns anos de miséria,
até que, arruinado de saúde, alcançou permissão de voltar ao Brasil, não mais
para viver na Bahia, onde ainda, contra ele perdurava odios e resentimentos,
mas para exercer em Pernambuco a sua profissão de advogado. Ali proibido de
escrever sátiras e de continuar com seu genio maledicente e falaz, entregou-se
de todo ao exercício de sua profissão, embora continuasse a viver como um
boémio, sempre alegre, sempre zombeteiro, sempre despreocupado da vida.
Graças
a tal mudança de meio e comportamento, o já velho poeta, após uma existência,
tão agitada, conseguiu viver algum tempo tranquilamente, até que aos 73 anos de
idade, a morte o alcançou em Recife, em 1696.
Gregorio
de Matos Guerra foi enterrado com grandes honras na igreja dos Capuchinhos
franceses de Nossa Senhora da Penha, em Pernambuco. As suas
últimas poesias, escritas já com mão trémula, foram dois belos sonetos em que
ele exprimia sincero arrependimento de todos os erros da sua vida.
A Crítica social
“A
situação de intelectual branco não bastante privilegiado pelos maiores da terra
ainda mais lhe pungia o amor-próprio e o levava a estiletar às cegas todas as
classes da nova sociedade”:
"AOS SENHORES GOVERNADORES DO MUNDO EM SECO DA CIDADE DA
BAHIA, E SEUS COSTUMES. "
A cada canto
um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Araripe Jr., que observou Gregório por uma lente tainiana,
sempre à procura da faculdade dominante do escritor, viu com nitidez o seu
fundo ressentimento para as desordens da Bahia dos fins do século, más
atribuiu-o a singularidades de caráter
No forte e bem travado soneto “Triste Bahia”, Gregório se
identifica com a sua terra espoliada pelo negociante de fora, o “sagaz
Brichote”, e impreca a Deus que faça tornar o velho tempo da austeridade e da
contensão:
Triste
Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
Do livro
"História concisa da Literatura Brasileira", de Alfredo Bosi, Editora
Cultrix, 1994, SP.
Afrânio Coutinho, em sua
obra “Conceito de Literatura Brasileira”,defende
o Barroco como movimento pertencente à literatura brasileira, identificando
Gregório de Matos como o primeiro autor dessa literatura pelo seu sentimento
nativista. Segundo o autor, "a brasilidade já se vinha constituindo,
consolidando e libertando havia muito antes da fase de 1750 a 1836".
Buscando a Cristo
A vós
correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
Gregório de Matos é considerado o maior poeta barroco
brasileiro, sua obra permaneceu inédita por muito tempo, são obras ricas em
sátiras, além de retratar a Bahia com bastante irreverência, o autor não foi
indiferente à paixão humana e religiosa, à natureza e reflexão.
“Em toda sua poesia o achincalhe e a denuncia encorpam-se e
movem-se à força de jogos sonoros, de rimas burlescas, de uma sintaxe apertada
e ardida, de um léxico incisivo, quanto não retalhante; tudo ao que dá ao
estilo de Gregório de Matos uma verve não igualada em toda a história da sátira
brasileira posterior”.
BIBLIOGRAFIA:
CÂNDIDO,
Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia,
1981.
BOSI,
Alfredo. Do Antigo Estado à Máquina Mercante. In: ______. Dialética da
Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOSI,
Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira - São Paulo: Editora
Cultrix, 1994.
CAMPOS,
Haroldo de. O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: O caso Gregório de Mattos.
Salvador: Fundação Casa de Jorge