segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Cem Anos de Solidão entre o real e o imaginário


“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de lembrar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e cana-brava construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos”.

No seu extraordinário romance, Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez cria um mundo imaginário, utópico e mítico entre o real e o fantástico, em um povoado chamado Macondo desde sua fundação até sua destruição. Cem Anos de Solidão pode ser a história em sete gerações de uma família marcada pela solidão e pela fatalidade do seu destino. A saga da família dos Buendía será a repetição da tragédia dos anteriores, e também o tempo mítico de um povoado imaginário chamado Macondo onde cem anos reúne centenas de séculos.
Na primeira leitura do romance temos quatro etapas: a primeira etapa corresponde à fundação de Macondo; a segunda às guerras de independência; a terceira à intenção do capital estrangeiro nas plantações de banana; a quarta à revolução e as guerras civis. Em todas essas etapas o tempo histórico é cronológico e linear com a história de Macondo e da família Buendía contada por um autor-narrador, em outra dimensão temporal, contando fatos já ocorridos.
Na segunda leitura do romance, o tempo histórico e linear se alterna na narrativa com o tempo mítico, cíclico e renovável. Existe em Cem Anos de Solidão uma tensão entre a Utopia de fundação, a Epopéia destruidora e a imaginação mítica que relembra e recobra o tempo presente, simultâneo e eterno do mito.
A Utopia, U-topos lugar que não existe, é a representação inocente, sonho e desejo. Macondo como povoado imaginário e imaginado, terra inventada e desejada, a idade de ouro. José Arcádio Buendía e sua família peregrinaram pela selva, dando voltas até encontrar precisamente o lugar onde fundar a nova Arcádia, a terra prometida das origens e representação da inocência: “O mundo era tão recente, que muitas coisas careciam de nome, e para mencioná-las havia de assinalá-las como o dedo”.
A Epopéia, sonho negado pela necessidade histórica, começa quando José Arcádio Buendía abandona a adivinhação pela ciência, ao passar do conhecimento sagrado ao exercício hipotético, abre as portas à segunda parte do romance. A Epopéia é o transcurso no qual a fundação utópica de Macondo é negada pela necessidade ativa da história e do tempo cronológico.
“O Mito é sempre uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo”. O mito é uma verdade que esconde outra verdade. Cem anos de Solidão, espaço-tempo mítico, cronotopos, cujo caráter simultâneo e renovável; onde o passado se repete no presente e o futuro pode ser previsível porque de alguma maneira já ocorreu, em que tudo será esclarecido no final quando saberemos que toda a história de Macondo já estava escrita cem anos antes pelo cigano Melquíades, autor-narrador e personagem, que acompanhou Macondo em sua fundação. “O tempo em Macondo não existe, está congelado”.
Em Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez mostra como Cervantes “as fronteiras da realidade dentro de um livro e as fronteiras de um livro dentro da realidade”