terça-feira, 7 de agosto de 2012

Ponciá Vicêncio


O romance Ponciá Vicêncio da escritora Conceição Evaristo, conta a historia, as aventuras e as angustias de Ponciá Vicêncio desde sua infância quando ainda menina no povoado onde nasceu; suas brincadeiras como as bonecas de espiga de milho, o arco-íris e as primeiras e poucas lembranças que Ponciá tinha do seu avô, o “vô” Vicêncio.
Nesse romance de Evaristo encontramos a importância dos estreitos laços de família que une Ponciá Vicêncio, o irmão Luandi e sua mãe em um ato desesperado de encontros, desencontros e despedidas. Na trama muito bem traçada pela autora, os laços familiares são de muita importância, Ponciá e sua mãe que desde muito tempo trabalhavam o barro, elas faziam panelas, potes e bichinhos de barro, e Ponciá quando menina se encarregava de buscar a argila na margem do rio, para fazer os objetos que vendiam em outros lugares, o irmão que desde muito jovem trabalhava com o pai, geralmente um pouco ausente da presença da família por força do seu trabalho, dão a esse romance um sentido de pura saudade.
As lembranças do avô Vicêncio que andava com um braço escondido às costas, porque era cotó, e que ela própria saia exatamente com o mesmo jeito de andar como se fosse cotó como o avô Vicêncio. O romance nos conta a primeira sensação de prazer da nossa protagonista quando tinha apenas 11 anos e de uma maneira inteiramente sua.
Entre despedidas e sofrimento Conceição Evaristo nos convida a um maravilhoso passeio pelas lembranças de Ponciá onde vai traçando o destino e as angustias da protagonista e de seus familiares. A autora nos mostra uma personagem que era chegada a “olhar o vazio”. Ponciá via tudo, via o próprio vazio, “sentia-se como estivesse chamando outra pessoa. Um dia cansada de tudo e querendo viver uma vida melhor, Ponciá deixa o campo e vai fazer o seu destino, querendo inventar a sua própria vida.
Tudo em Ponciá Vicêncio é lembrança, lembrança da mãe, do irmão, do pai, já falecido, do funeral do avô e das cantigas que entoava junto com a mão na hora de amassar o barro, eram canções que os negros mais velhos cantavam para os mais jovens, lá na África e eram cantadas de uma maneira que não se entendia, talvez estivesse em crioulo. A pesar das lembranças e do ato de recordar havia em Ponciá um extremo vazio na sua cabeça, diziam que ela, como o avô Vicêncio gostava de olhar o vazio. Conceição Evaristo nos mostra todo o tempo que em Ponciá Vicêncio o processo de lembrar às vezes era um processo doloroso que chegava a ser uma total profunda ausência de si mesma.
As lembranças e recordações de Ponciá chegam a tocar os limites do mito, principalmente o mito da terra de origem. A velha Nêgua Kainda, que tudo via e tudo sabia, a herança do avô Vicêncio,  a visão da África e do sofrimento daqueles que de lá saíram, e pensam um dia regressar. Parece que tudo aquilo que viveu e todas as lembranças de Ponciá a levavam ao começo, ao tempo passado, ao tempo das origens, onde os negros eram felizes, e não sentiam medo, escravidão e sofrimento.
O romance “Ponciá Vicêncio mostra praticamente todo tempo, que a vida das personagens é marcada pela lembrança de um ante-feliz, de um passado inteiramente ligado ao presente por meio da memória. Nós leitores somos guiados por essas lembranças e memórias que nos conectam através da memória de Ponciá Vicncio com o passado. No romance, passado e presente são inteiramente ligados pelas memórias e pelas lembranças das personagens.
Ponciá Vicêncio enxergava a vida através da memória, lembrava varias vezes as mesmas historias como se fosse à primeira vez, como se fosse preciso completar as suas lembranças fragmentadas pelo vazio, sentia o mundo ao redor, mas não se situava nele, parecia dona das sombras, parecia  que estava em outro mundo, era um vazio, mas que era só dela. Ponciá precisa recuperar os pedaços do seu passado para viver o seu presente, é preciso saber reconstruir e recontar a história de nós mesmos, porque a historia é feita por nós.
As memórias e as lembranças de Ponciá são o elo entre o passado, o presente, o vazio e às vezes a ausência de si mesma; seria a ruptura, o hiato criado pelos sofrimentos sentidos por várias gerações de negros. O romance de Conceição Evaristo “Ponciá Vicêncio” mistura: idas e vindas, tristeza, frustrações, memórias, pobreza, miséria, lágrimas, amores, desilusão, todos amarrados pelas lembranças das personagens que vão prendendo o leitor até o fim.
“Ponciá Vicêncio é o elo, é a herança do passado e do presente e do que ainda há de vir.


Referência Bibliográfica:

Ponciá Vicêncio – 2° Ed. Evaristo, Conceição – Belo Horizonte: Mazza Edições, 2005. 132 pag.

Conceição Evaristo nasceu em 1946, em uma favela no Alto da avenida Afonso Pena, Belo Horizonte.

Biografia:

Romance

  • Ponciá Vicêncio (2003)
  • Becos da Memória (2006)

Poesia

  • Poemas da recordação e outros movimentos (2008)

Contos

  • Insubmissas lágrimas de mulheres (Nandyala, 2011)

Participações em antologias

  • Cadernos Negros (Quilombhoje, 1990)
  • Contos Afros (Quilombhoje)
  • Contos do mar sem fim (Editora Pallas)
  • Questão de Pele (Língua Geral)
  • Schwarze prosa (Alemanha, 1993)
  • Moving beyond boundaries: international dimension of black women’s writing (1995)
  • Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction (Inglaterra, 2005)
  • Finally Us: contemporary black brazilian women writers (1995)
  • Callaloo, vols. 18 e 30 (1995, 2008)
  • Fourteen female voices from Brazil (EUA, 2002), Estados Unidos
  • Chimurenga People (África do Sul, 2007)
  • Brasil-África: como se o mar fosse mentira (Brasil/Angola, 2006)