sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Barroco Brasileiro: a poesia de Gregório de Matos




Soneto
Pequei, Senhor: mas não porque hei pecado,
Da vossa Alta Piedade me despido;
antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
(Gregório de Mattos -Do livro: "Livro dos Sonetos", LP&M Editores, 1996, RS)

O Barroco no Brasil

No século XVII, o Brasil presenciou o surgimento de uma literatura própia a partir dos escritos nascidos na colônia, quando as primeiras manifestações valorizando a terra surgiram.
A produção literária não foi favorecida nesse período, pois a disputa pelo poder no Brasil era evidente e chamava toda a atenção.
“No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII e XVIII: Gregório de Matos, Botellho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias repetiram motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano.”
“Na segunda metade do século XVIII, porém o ciclo do ouro já daria um susbstrato material à arquitetura, à escultura e à vida musical, de sorte que parece lícito falar de um Barroco brasileiro, e até mesmo mineiro, cujos exemplos  mais significaticos foram alguns trabalhos do Aleijadinho, de Manuel da Costa Ataíde e composições sacras de Lobo de Mesquita, Marcos Coelho e outros...” (BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira - São Paulo: Editora Cultrix, 1994.)

Para o escritor  e crítico Antonio Candido, a literatura que não apresenta esses elementos consolidados (obra-público-autor) não é capaz de formar um sistema e, por isso, não passaria de manifestação literária. Sendo assim, autores como Antônio Vieira e Gregório de Matos não são considerados pelo crítico como representantes da literatura brasileira, pois não contribuíram para sua formação ao não influenciarem outros autores e por escreverem em um período literário em que os três elementos constituintes capazes de instituírem um sistema literário ainda eram incipientes. (CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981)

A Sociedade colonial
O Barroco aparece no Brasil  quando ya se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território; a população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura nativa já lançara sementes.  O Barroco não foi, assim o veículo inaugural da cultura brasileira, mas floresceu ao longo da maior parte de sua curta historia de 500 anos, num período em que os residentes lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável, contra uma natureza selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis, até onde permitisse sua condição de colonia pesadamente explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de indios pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base da força produtiva.

Principais característica do Barroco brasileiro

  • Culto exagerado da obra, sobrecarregando a poesia de figuras de linguagem.
  • Dualismo: onde o poeta se sente dividido e confuso por causa do dualismo de ideias.
  • Culto do Contraste, conflito entre o bem e o mal, o Ceú e Inferno, Deus e o diabo, o material e o espiritual, o pecado e o perdão...
  • Pessimismo, que era acarretado pela confusão causada pelo dualismo.
  • Literatura moralista, já que era usada pelos padres jesuítas para pregar a fé e a religião.
  • O Barroco revela a busca da novidade e da surpresa, o gosto da dificuldade.

“É de esperar que os recursos dessa visão de mundo sejam, na poesia, as figuras: sonoras (aliteração, assonância, eco, onomatopeia...), sintáticas (elipse, inversão, anacoluto, silepse...) e sobretudo semânticas (metáfora, metonímia, sinédoque, antítese, clímax...), enfim todos os processos que reorganizam a linguagem comum em função de uma nova realidade: a obra, o texto, a composição”.

Gregório de Matos: entre o céu e o inferno
Gregório de Matos guerra nasceu na Bahia em 1633 e morreu em Recife em 1696. Cultivou a poesia lírica, sátirica e religiosa. Sua obra só foi divulgada muito tempo depois de sua morte
As obras de Gregório de Matos, revelan nítidas influências dos poetas Barrocos espanhóis, sobretudo nas composições líricas. Seus textos sátiricos são muito interessantes, também pelo caráter documental que apresentam, tanto do ponto de vista sociológico quanto linguístico, pois neles o autor utilizou uma linguagem bem popular, onde são frequentes, inclusive, termos de baixo calão. Por sua crítica ferina e debochada da sociedad da época, recebeu o apelido de “Boca do Inferno”.
Gregório de Matos tinha  formação humanística – doutor in utroque jure – pela Universidade de Coimbra. “Mazelas e azares tangeram-no de Lisboa para Bahia quando já se abeirava dos cinquenta anos; más entre nós não perdeu, antes espicaçou o vezo de satirizar os desafetos pessoais e políticos, motivo de sua deportação para Angola de onde voltou, um ano antes de morrer, indo para o Recife que foi a sua última morada”.

Vida e obra

Gregório de Matos tinha um genio irrequieto e zombeteiro, desde cedo revelara viviacidade de inteligência e volubilidade de caráter. Eis porque quando contava com apenas 14 anos, seus pais resolveram mandar-lo para Coimbra: era para ali que, do Brasil, naquela época, as famílias ricas mandavam seus filhos quando lhes queriam dar uma instrução superior para, ao término de uns tantos anos, de lá voltarem com título científico que lhes garantissem, aqui, na sociedade brasileira, uma posição de relevo.
Gregório, porém, bacharel em direito, não quis regressar logo ao Brasil. De Coimbra passou para Lisboa, onde se formou advogado e, mais tarde, juiz. Ali permaneceu, mais ou menos, até os 50 anos. Só então voltou ao Brasil, um tanto o quanto desiludido da sociedade portuguesa, onde talvez por causa do seu genio independente e mordaz, sofreu muitas decepções e desgostos.
Chegado a Bahia, deu expansão à sua veia satírica, não poupava os poderosos, nem os “clientes”, nem os amigos, nem mesmo a própria esposa que, por esse motivo, certo dia, lhe abandonou. Por último, por atrair a ira do governador, este para se vingar dele, cujas sátiras, justas ou injustas, eram sempre aplaudidas pelo povo, deportou-o para Angola. Na Àfrica passou Gregório alguns anos de miséria, até que, arruinado de saúde, alcançou permissão de voltar ao Brasil, não mais para viver na Bahia, onde ainda, contra ele perdurava odios e resentimentos, mas para exercer em Pernambuco a sua profissão de advogado. Ali proibido de escrever sátiras e de continuar com seu genio maledicente e falaz, entregou-se de todo ao exercício de sua profissão, embora continuasse a viver como um boémio, sempre alegre, sempre zombeteiro, sempre despreocupado da vida.
Graças a tal mudança de meio e comportamento, o já velho poeta, após uma existência, tão agitada, conseguiu viver algum tempo tranquilamente, até que aos 73 anos de idade, a morte o alcançou em Recife, em 1696.
Gregorio de Matos Guerra foi enterrado com grandes honras na igreja dos Capuchinhos franceses de Nossa Senhora da Penha, em Pernambuco. As suas últimas poesias, escritas já com mão trémula, foram dois belos sonetos em que ele exprimia sincero arrependimento de todos os erros da sua vida.

A Crítica social

“A situação de intelectual branco não bastante privilegiado pelos maiores da terra ainda mais lhe pungia o amor-próprio e o levava a estiletar às cegas todas as classes da nova sociedade”:

"AOS SENHORES GOVERNADORES DO MUNDO EM SECO DA CIDADE DA BAHIA, E SEUS COSTUMES. "

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.


Araripe Jr., que observou Gregório por uma lente tainiana, sempre à procura da faculdade dominante do escritor, viu com nitidez o seu fundo ressentimento para as desordens da Bahia dos fins do século, más atribuiu-o a singularidades de caráter
No forte e bem travado soneto “Triste Bahia”, Gregório se identifica com a sua terra espoliada pelo negociante de fora, o “sagaz Brichote”, e impreca a Deus que faça tornar o velho tempo da austeridade e da contensão:


Triste Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
Do livro "História concisa da Literatura Brasileira", de Alfredo Bosi, Editora Cultrix, 1994, SP.
Afrânio Coutinho, em sua obra “Conceito de Literatura Brasileira”,defende o Barroco como movimento pertencente à literatura brasileira, identificando Gregório de Matos como o primeiro autor dessa literatura pelo seu sentimento nativista. Segundo o autor, "a brasilidade já se vinha constituindo, consolidando e libertando havia muito antes da fase de 1750 a 1836".
Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

Gregório de Matos é considerado o maior poeta barroco brasileiro, sua obra permaneceu inédita por muito tempo, são obras ricas em sátiras, além de retratar a Bahia com bastante irreverência, o autor não foi indiferente à paixão humana e religiosa, à natureza e reflexão.
“Em toda sua poesia o achincalhe e a denuncia encorpam-se e movem-se à força de jogos sonoros, de rimas burlescas, de uma sintaxe apertada e ardida, de um léxico incisivo, quanto não retalhante; tudo ao que dá ao estilo de Gregório de Matos uma verve não igualada em toda a história da sátira brasileira posterior”.

BIBLIOGRAFIA:

CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981.

BOSI, Alfredo. Do Antigo Estado à Máquina Mercante. In: ______. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira - São Paulo: Editora Cultrix, 1994.

CAMPOS, Haroldo de. O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: O caso Gregório de Mattos. Salvador: Fundação Casa de Jorge