O
romance Ponciá Vicêncio da escritora Conceição Evaristo, conta a historia,
as aventuras e as angustias de Ponciá Vicêncio desde sua infância quando ainda
menina no povoado onde nasceu; suas brincadeiras como as bonecas de espiga de
milho, o arco-íris e as primeiras e poucas lembranças que Ponciá tinha do seu
avô, o “vô” Vicêncio.
Nesse
romance de Evaristo encontramos a importância dos estreitos laços de família
que une Ponciá Vicêncio, o irmão Luandi e sua mãe em um ato desesperado de
encontros, desencontros e despedidas. Na trama muito bem traçada pela autora, os laços
familiares são de muita importância, Ponciá e sua mãe que desde muito tempo trabalhavam
o barro, elas faziam panelas, potes e bichinhos de barro, e Ponciá quando
menina se encarregava de buscar a argila na margem do rio, para fazer os
objetos que vendiam em outros lugares, o irmão que desde muito jovem trabalhava
com o pai, geralmente um pouco ausente da presença da família por força do seu
trabalho, dão a esse romance um sentido de pura saudade.
As lembranças do avô
Vicêncio que andava com um braço escondido às costas, porque era cotó, e que
ela própria saia exatamente com o mesmo jeito de andar como se fosse cotó como
o avô Vicêncio. O romance nos conta a primeira sensação de prazer da nossa
protagonista quando tinha apenas 11 anos e de uma maneira inteiramente sua.
Entre despedidas e
sofrimento Conceição Evaristo nos convida a um maravilhoso passeio pelas
lembranças de Ponciá onde vai traçando o destino e as angustias da protagonista
e de seus familiares. A autora nos mostra uma personagem que era chegada a
“olhar o vazio”. Ponciá via tudo, via o próprio vazio, “sentia-se como estivesse
chamando outra pessoa. Um dia cansada de tudo e querendo viver uma vida melhor,
Ponciá deixa o campo e vai fazer o seu destino, querendo inventar a sua própria
vida.
Tudo em Ponciá Vicêncio é
lembrança, lembrança da mãe, do irmão, do pai, já falecido, do funeral do avô e
das cantigas que entoava junto com a mão na hora de amassar o barro, eram
canções que os negros mais velhos cantavam para os mais jovens, lá na África e
eram cantadas de uma maneira que não se entendia, talvez estivesse em crioulo. A pesar das
lembranças e do ato de recordar havia em Ponciá um extremo vazio na sua cabeça,
diziam que ela, como o avô Vicêncio gostava de olhar o vazio. Conceição
Evaristo nos mostra todo o tempo que em Ponciá Vicêncio o
processo de lembrar às vezes era um processo doloroso que chegava a ser uma
total profunda ausência de si mesma.
As lembranças e recordações
de Ponciá chegam a tocar os limites do mito, principalmente o mito da terra de
origem. A velha Nêgua Kainda, que tudo via e tudo sabia, a herança do avô
Vicêncio, a visão da África e do
sofrimento daqueles que de lá saíram, e pensam um dia regressar. Parece que
tudo aquilo que viveu e todas as lembranças de Ponciá a levavam ao começo, ao
tempo passado, ao tempo das origens, onde os negros eram felizes, e não sentiam
medo, escravidão e sofrimento.
O romance “Ponciá Vicêncio mostra
praticamente todo tempo, que a vida das personagens é marcada pela lembrança de
um ante-feliz, de um passado inteiramente ligado ao presente por meio da
memória. Nós leitores somos guiados por essas lembranças e memórias que nos
conectam através da memória de Ponciá Vicncio com o passado. No romance,
passado e presente são inteiramente ligados pelas memórias e pelas lembranças
das personagens.
Ponciá Vicêncio enxergava a
vida através da memória, lembrava varias vezes as mesmas historias como se
fosse à primeira vez, como se fosse preciso completar as suas lembranças
fragmentadas pelo vazio, sentia o mundo ao redor, mas não se situava nele,
parecia dona das sombras, parecia que
estava em outro mundo, era um vazio, mas que era só dela. Ponciá precisa
recuperar os pedaços do seu passado para viver o seu presente, é preciso saber
reconstruir e recontar a história de nós mesmos, porque a historia é feita por
nós.
As memórias e as lembranças
de Ponciá são o elo entre o passado, o presente, o vazio e às vezes a ausência
de si mesma; seria a ruptura, o hiato criado pelos sofrimentos sentidos por
várias gerações de negros. O romance de Conceição Evaristo “Ponciá Vicêncio”
mistura: idas e vindas, tristeza, frustrações, memórias, pobreza, miséria,
lágrimas, amores, desilusão, todos amarrados pelas lembranças das personagens
que vão prendendo o leitor até o fim.
“Ponciá Vicêncio é o elo, é
a herança do passado e do presente e do que ainda há de vir.
Referência
Bibliográfica:
Ponciá Vicêncio – 2° Ed.
Evaristo, Conceição – Belo Horizonte: Mazza Edições, 2005. 132 pag.
Conceição Evaristo
nasceu em 1946, em uma favela no Alto da avenida Afonso Pena, Belo Horizonte.
Biografia:
Romance
- Ponciá Vicêncio (2003)
- Becos da Memória (2006)
Poesia
- Poemas da recordação e outros movimentos (2008)
Contos
- Insubmissas lágrimas de mulheres (Nandyala, 2011)
Participações em antologias
- Cadernos Negros (Quilombhoje, 1990)
- Contos Afros (Quilombhoje)
- Contos do mar sem fim (Editora Pallas)
- Questão de Pele (Língua Geral)
- Schwarze prosa (Alemanha, 1993)
- Moving beyond boundaries: international dimension of black women’s writing (1995)
- Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction (Inglaterra, 2005)
- Finally Us: contemporary black brazilian women writers (1995)
- Callaloo, vols. 18 e 30 (1995, 2008)
- Fourteen female voices from Brazil (EUA, 2002), Estados Unidos
- Chimurenga People (África do Sul, 2007)
- Brasil-África: como se o mar fosse mentira (Brasil/Angola, 2006)