“Quem ouvir e não
aprender
Quem souber e não
ensinar
No dia do juízo
A sua alma penará”
A
guerra de Canudos não foi apenas um “refluxo em nossa história”, mas também o
confronto entre dois Brasis. O Brasil real, miserável e esquecido do sertanejo
e o Brasil da República Velha: mentiroso, falso, superficial, da grande
propriedade fundiária, que a principio se estanca no Tenentismo dos anos 20, na
Semana de Arte de 22 e na Revolução de 30.
Em
1894, jagunços de Canudos espalhavam o terror por algumas cidades do sertão da
Bahia, gerando calorosa e inútil discussão na Assembléia Estadual. O arraial já
era conhecido pela reunião de crentes, de fanáticos e pela malta de facínoras e
valentões. Então, por que era permitida a sua existência pelas autoridades
governamentais? Aquela gente inculta e miserável, perdida e esquecida no fim do
mundo, estava no seu devido lugar. Bem longe da civilização; bem perto da
barbárie.
Canudos,
velha fazenda de gado à beira do rio Vasa Barris, era em 1890 uma aldeia de
cerca de cinquenta casas mal construídas e arruinadas. Em 1876, se
aglomeravam ao redor da fazenda, ainda florescente, uma malta suspeita e
ociosa, “armada até os dentes”. Gente que se ocupava quase exclusivamente em
beber aguardente e fumar cachimbo em canudos de metro de extensão de tubos
fornecidos por uma planta que abundava na região.
O
Conselheiro chegou a Canudos em 1893, encontrando o rancho em abandono, a
antiga casa grande em ruínas e a Igreja Velha ainda de pé. Antônio Conselheiro
não era um incompreendido, “a multidão o aclamava como representante natural
das suas aspirações mais altas”. Tinha na atitude, na palavra e no gesto: a
tranquilidade, a altivez e a resignação soberana de um apóstolo. Dizia àquela
gente o que ela precisava e gostava de ouvir. Falava da seca, da miséria, dos
meses de fome, das epidemias e dos maus políticos.
Naqueles sertões
desertos
De esquisitos
carrascais
Multidões
embevecidas
Ouviram sermões de
paz
Do maior dos
conselheiros.
Isso para os
fazendeiros
Era incômodo
demais.
Dentro
de algumas semanas de 1893, a aldeia velha dava lugar a um novo povoado, cujas
ruas eram mal projetadas e em forma de labirinto. As casas eram de pau-a-pique
e mal feitas, já nasciam velhas e feias. No começo, se reuniam perto da velha
igreja, depois outras construções mais ligeiras surgiram. “Pareciam obedecer ao
traçado de um plano de defesa”. O povoado havia sido construído com esquemas de
trincheiras por todos os lados, às vezes, fazendo parecer ao viajante
desavisado um inofensivo rancho, no qual o inimigo podia cercá-lo, golpeando
todas as entradas com uma bateria única. Pura ilusão. Canudos tinha condições
táticas de defesa preestabelecidas. “A Tróia de Taipa” se trancava a leste
pelas colinas, a oeste e norte pelas ladeiras das terras mais altas e ao sul
pelas montanhas. O povo da cidadela não se escondia de eventuais assaltos de
cavaleiros, ficavam entocados à espera.
A
natureza ao redor de Canudos era um contraste. Era feia e morta, de paisagem
triste; porém abundavam os caminhos: Uauá, Caipã, Jeremoabo, Cocorobó, Cambaio,
Calumbi e Rosário. A caatinga - juazeiro, favela, mandacaru, baraúna,
xiquexique, cabeça-de-frade, quipá, caatanduva, mulungu, caraíba, quixabeira,
icózeiro, ouricuri, jurema, umbuzeiro – agride e espanta com suas
folhas que queimam e espinhos que ferem. Árvores sem folhas de galhos torcidos
e secos que se entrecruzam. O sol ardente impera, castiga e extingue.
O
povoado de Canudos ficava ao fundo dos sertões do Piauí, Ceará, Pernambuco e
Sergipe. Sertão de verões calcinados, invernos torrenciais e ribeirões que só
se enchem nas épocas de chuva. Na estação das secas, se intercalam dias muito
quentes e noites frias. Por longos meses de intenso calor à terra é negada a
umidade minguada do ambiente queimado. A flora é deprimente, o solo
gretado e duro reflete em todos os sentidos a luz do sol. No mês de março, sem
crepúsculo, os dias são mais curtos. O céu se cobre de nuvens. Ventos agitam as
folhagens. Troveja; chove forte, e floresce a caatinga.
A Terra da
Promissão
por Deus ali
prometida,
pregava em cada
oração
garantia para a
vida.
Que
tipo de gente vivia em Canudos?
Havia
mulheres beatas; solteiras, que no sertão tem o pior dos significados, soltas,
sem freio; moças donzelas ou moças damas e honestas mães de família. De todas
as idades, todos os tipos, todas as raças: negras, caboclas, mamelucas,
cafuzas, loiras e brancas. Todas vestidas o mais simples possível, da maneira
que exigia o Conselheiro. O contraste era ainda maior entre os homens:
jagunços, vaqueiros rudes, desocupados, ex-escravos, escravos, pequenos
proprietários, expulsos pelos coronéis, índios e os lugar tenentes do
Conselheiro: José Venâncio, o terror de Volta Grande, Pajeú, a suçuarana em
noite de luar, Lalau, os irmãos Chiquinho e João da Mota, perseguidores de
soldados, Pedrão, o cafuzo; Estevão o negro, João Tranca-Pés, Raimundo
Boca-Torta, o ágil Chico Ema, o valente Norberto, o vitorioso Quimquim de
Coiqui, Antônio Fogueteiro do Pau-Ferro, Vila Nova, o Velho Macambúa, exímio
planejador de tocaias, João Abade, o comandante de rua, Antônio Beato,
sacristão e soldado, José Felix, o Taramela, guarda das igrejas, chaveiro e
mordomo do Conselheiro. Todos carregavam bacamartes, garruchas, espingardas,
pistolas, facões e porretes. O Arraial do Bom Jesus do Belo Monte chegou a ter
cerca de 30 mil habitantes.
A Bahia foi um
palco,
De dor e desespero
A cidade de Canudos
viveu toda essa
cena,
De homens livres e
progresso,
Mas inquietou o
Império,
A República viu
algo sério
“Quem tiver perna que
corra. Quem quiser ficar que fique...”
Antônio
Conselheiro prega a desobediência civil contra a República. Queima tábuas de
editais cobrando novos impostos. Nas suas andanças pelo sertão, o Conselheiro
denuncia à seca, o casamento civil e os novos pesos e medidas.
O Conselheiro
interpretava
A Bíblia à sua
maneira
Não obedecia a
bispo,
Nem a padre nem a
freira
Se ainda tivesse a
mão
De tal Santa
Inquisição
Seu destino era a
fogueira.
Em
1896, madeiras compradas pelo Conselheiro, mas não entregues por determinação e
precipitação de um juiz, fizeram com que o ermitão determinasse a sua retirada
do depósito pela força. Canudos virou uma ameaça. Então, seguiram-se pedidos de
providências ao governador do estado da Bahia.
Pela sua rebeldia
foi Canudos atacado
Alheio as leis da
Bahia
havia imposto
negado.
A República
brasileira contra Canudo
A
primeira expedição chegou a Juazeiro no dia 7 de novembro de 1896. A primeira
vitória de Canudos foi sobre a polícia baiana, que possuía um efetivo de 107
homens: três oficiais e cento e quatro praças, comandados pelo tenente Manuel
da Silva Pires Ferreira. Os soldados estavam despreparados para as andanças no
sertão, de altíssimas temperaturas, em uma das regiões mais assoladas pela
seca.
Foi em novembro do
ano
Dezoito e noventa e
seis
Do outro século
passado
Que pela primeira
vez
Canudos foi atacado
No dia 7 do mês.
A
segunda expedição foi comandada pelo major Febronio de Brito. Levava 543
praças, 14 oficiais, 4 metralhadoras e 2 canhões. Mais de 300 soldados
fugiram e quase 200 morreram no confronto com os sertanejos
Deu-se o segundo
combate
Dia 12 de janeiro
Do outro ano
seguinte
Que vou contar
prazenteiro
Dezoito noventa e
sete
Ano infeliz
agoureiro.
A
terceira expedição contra Canudos foi comandada pelo coronel Moreira César, o
Corta-Cabeças. Partiu do Rio de Janeiro, no dia 3 de fevereiro de 1897, possuía
quase 1300 combatentes com quinze milhões de cartuchos e artilharia pesada.
No ano de noventa e
sete.
Muita coisa
aconteceu
Pegou a guerra em
Canudos
Moreira César
morreu.
Antes
de vencer o sertanejo, o sertão deveria ser vencido. Não se estava diante de
uma guerra comum, mas sim de uma guerra de guerrilha, em lugares pedregosos, de
subidas e descidas, em um terreno desconhecido pelos exércitos regulares,
vestidos com roupas inadequadas e pesados equipamentos de guerra. Jagunços
escondidos e ocultos vigiavam e aguardavam para atacar, em uma das regiões mais
secas do nordeste, onde as táticas militares clássicas deram lugar ao conhecimento
do terreno, do deserto e do inesperado
O
último suspiro
A
quarta expedição, de 16 de junho a 5 de outubro de 1897, foi comandada pelo
general Artur Oscar. Possuía seis brigadas e foi dividida em duas colunas: uma
comandada pelo general João Barbosa, com 2.340 homens, outra pelo general
Amaral Savaget, com 3.415 homens; o 5º corpo da policia baiana, formado,
também, por 388 jagunços, além de doze canhões Krupp, um canhão Withworth, “a
Matadeira” e cinco navios da Marinha brasileira.
Jagunços fracos,
cansados
em seus momentos
fatais,
acabaram
massacrados
pelas tropas
federais.
Antônio
Conselheiro faleceu a 22 de setembro de 1897, possivelmente por ferimentos
causados por estilhaços de granada. Os soldados, que invadiram Canudos, acharam
enterrado o corpo do Conselheiro, profanaram sua tumba e separaram a cabeça do
corpo.
Sendo exumado o
beato.
Teve a cabeça
cortada
A vitória foi de
fato
finalmente
confirmada.
O
triste fim agonizante de Canudos foi à busca de água. Principalmente sobre as
barrancas do Vasa Barris, entre saraivadas de balas do exército sitiante. Os
sertanejos, que estavam sedentos, avançavam e caíam, às vezes, um após outro,
todos. Quando a água acabou, bebia-se de tudo, até urina e tudo aquilo que se
podia chupar. Bebia-se sangue de pássaros ainda que fossem urubus,
mastigava-se: folhas, talos e raízes. Tudo o que tivesse suco. A sede matou
mais que as balas. Não se ouvia mais os canhões. Agora havia sede; fome,
feridos e mortos.
O
arraial pegava fogo. Não tinha mais o aspecto da “Canaã Sagrada” de antes. Tudo
era incêndio. Eram milhares e milhares de soldados que se precipitavam dos
morros, com fuzis e baionetas, entre fumaças e escombros pelos caminhos
estreitos e sinuosos da antiga cidadela arruinada, queimada e devastada. Os
prisioneiros, aqueles que não foram fuzilados e degolados, eram crianças de 4 a
8 anos, algumas mulheres e lutadores feridos. Todos foram vendidos como
escravos para os fazendeiros da região, nove anos depois de terminada a
escravidão.
Soldados
do Exército brasileiro, quando entraram em Canudos, queriam encontrar papéis
que comprometessem e revelassem as verdadeiras intenções monárquicas
conservadoras do Conselheiro, porém dentro dos casebres destruídos não havia
nada de comprometedor, apenas papéis “que não valiam nada e valiam tudo”. Eram
prédicas inofensivas do Conselheiro, que não reconhecia a República.
Saiu Dom Pedro
segundo
Para o reino de
Lisboa
Acabou-se a
Monarquia
O Brasil ficou à toa!‘
“O sertão vai virar
mar e o mar vai virar sertão”
Canudos
caiu no dia 5 de outubro de 1897. No dia 6, acabaram de destruir as últimas
casas, 5.200. Contra Canudos e sua gente, o exército brasileiro usou mais de 10
mil soldados (na Primeira Guerra Mundial, o efetivo do Exército foi de mais ou
menos 1.610 homens; na Segunda Guerra, de 25.334) de 17 estados, divididos em
quatro expedições. Na guerra, morreram mais ou menos 25 mil pessoas.
Há
algo muito claro na Guerra de Canudos, a população de Canudos e de outras
regiões do Brasil foram enganadas e manipuladas pelos políticos da Bahia e do
Governo Federal, ficaram no centro da disputa entre Conservadores e Liberais. A
Guerra de Canudos é um enigma na história do Brasil. Episódio obscuro e mal
resolvido. Depois de quatro expedições do Exercito Brasileiro contra Canudos, o
Arraial foi destruído pelo fogo e apagado do mapa pelas águas do açude de
Cocorobó.
“Mas quando a terra
diz: “Ele não morre”
Responde o
desgraçado: “Eu não vivi!...”
(Castro Alves)
Bibliografia
Llosa, Mario Vargas. La Guerra del
Fin del Mundo. Fundación Biblioteca Ayacucho. 1991. Caracas – Venezuela.
Cunha,
Euclides da -1866 – 1909. Os Sertões. Seleção, introdução e vocabulário Olimpio
de Souza Andrade. Edições de Ouro. Rio de Janeiro.
Canudos:
Cartas para o Barão/Consuelo Novais Sampaio (organizadora) – 2ª ed. 2001 São
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Romero,
Silvio. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. 2. Ed. Petrópolis, 1997, pag.
41
Web:
www.projetociclovida.blogspot.com.br
Canudos
na literatura de cordel –josecalasans.com
Ruth
Farah Nacif Lutterback – Cordel. O Fim de Canudos – 100 anos sem Euclides-
Projeto Cultural
(PDF)
O Estado e a inerência da violência: A República Brasileira contra Canudos. www.faceq.edu.br